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Pandemia acelera digitalização dos processos de licenciamento ambiental

DÉBORA BRITO e ANA BEATRIZ GRAÇA, Jota
Em todos os níveis da federação, Executivos adotaram medidas de simplificação do trâmite


A crise provocada pela pandemia da Covid-19 impactou o andamento de processos administrativos de diversas naturezas, entre eles, aqueles relacionados à emissão ou renovação de licenças ambientais. O isolamento social imposto como prevenção à doença acelerou a mudança na forma de tramitação dos processos para meios eletrônicos e também as audiências públicas passaram a ser realizadas de forma remota.

Desde o início de abril, o JOTA faz um monitoramento diário dos atos oficiais dos estados e capitais do país, além das proposições legislativas das assembleias e câmaras municipais. As medidas estão numa base de dados do Tracking, que tem mais de 15 mil entradas cadastradas.

Hoje, há no sistema pelo menos 40 medidas dos Executivos ou Legislativos — apresentadas desde abril — que permitem: a solicitação ou outra etapa burocrática do licenciamento por meio remoto; a suspensão dos prazos de validade durante o estado de calamidade pública, entre outras decisões relacionadas ao tema.

Sobre licenciamento, a maioria das medidas (27) encontradas foram tomadas em nível estadual, sendo que mais da metade delas (15) são de iniciativa do Executivo. O estado do Rio Grande do Sul foi o que mais publicou medidas sobre o assunto (11), seguido dos estados de Goiás (3) e Santa Catarina (2). Já os estados do Espírito Santo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Piauí registraram pelo menos uma medida no período.

Audiências públicas
No Senado, foi apresentado o PL 1602/2020, que permite, durante o estado de calamidade pública, a realização virtual das audiências públicas, etapas em que as comunidades são ouvidas sobre os impactos do empreendimento em seus territórios.

O projeto não avançou na tramitação no Congresso, mas o Executivo publicou a Resolução 494, de 11 de agosto, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que estabelece a possibilidade de realização de forma remota das audiências públicas de licenciamento. A medida foi regulamentada pelo Procedimento Operacional Padrão nº 6/2020.

O movimento para agilizar e simplificar os processos foi iniciado antes da pandemia. Segundo o Ibama, em 2019 foram emitidas 636 licenças e autorizações, todas por meio eletrônico. Mas, as audiências públicas sempre ocorreram de forma presencial, essa é a primeira vez que se este tipo de reunião ocorre à distância.

Em âmbito estadual, foi identificada no Tracking a liberação das audiências e consultas públicas por meio remoto em Santa Catarina, Espírito Santo, Ceará e Mato Grosso do Sul.

Garantia da participação popular
A especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, ressalta que o uso do meio virtual pode ser justificado pela pandemia, mas ela chama a atenção para a dificuldade de acesso à internet ou outros empecilhos que as comunidades eventualmente possam ter para participar via remota.

“Em princípio, as restrições derivadas da pandemia podem justificar a realização de esquemas de participação online nos processos de licenciamento ambiental. O problema é garantir que isso ocorra somente em situações nas quais as populações potencialmente afetadas pelos empreendimentos que estão sendo licenciados tenham realmente condições de participar dessa maneira. Fica bastante complicado realizar consultas online com populações que não estejam preparadas para esse tipo de interação”, afirma a especialista.

Suely Araújo, que já presidiu o Ibama, argumenta que o objetivo das audiências é dar transparência, de forma bilateral, sobre o empreendimento, com a possibilidade de resposta das comunidades e garantia de manifestação da posição delas sobre o empreendimento

“Se essa interação não acontecer, mesmo com a legislação admitindo as consultas online, a tendência é haver judicialização e, por decorrência, atraso nas concessão das licenças. A pandemia não pode justificar flexibilizações nem no rigor técnico do licenciamento ambiental, nem na necessária participação social que é condição de sua validade”, completou Suely Araújo.

A advogada especializada na área ambiental Fatianne Batista também destaca a importância das audiências e comenta que a permissão para que ocorram de forma online foi benéfica, pois liberaram o andamento de processos ambientais de empreendimentos que não poderiam ser paralisados e não prejudicaram as regras que já existem do processo.

“A audiência pública tem o objetivo de consultar a sociedade, por meio da participação democrática de todos os envolvidos, para que seja liberado o licenciamento. A medida [audiência online] veio a calhar. A medida foi criada por uma situação excepcional, por enquanto nenhum órgão ambiental se manifestou sobre sua continuidade, mas, como no sistema jurídico que adotou as audiências remotas, acredito que poderá ser adotado pelos órgãos ambientais”, comentou Fattiane Batista, que atua no escritório Andrade Silva Advogados.

Transição nos estados
Em Goiás, a mudança mais significativa foi no sistema de requerimento das licenças. Durante a pandemia, o estado deu início a um novo modelo de solicitação, por meio da chamada Plataforma Ipê, criada para reduzir o prazo das concessões.

A Assembleia Legislativa de Goiás também avançou na tramitação do PL 3504/2020, que prorroga por um ano a validade das licenças ambientais emitidas pela Secretaria de Meio Ambiente. O PL teve parecer favorável aprovado na CCJ em outubro.

Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Piauí emitiram decretos ou resoluções que ampliam ou prorrogam o prazo de licenças ambientais por 30 dias ou até o fim do ano. Em Minas Gerais, as licenças foram prorrogadas e já voltaram ao decurso normal. A prorrogação da validade também está entre as propostas legislativas encontradas.

Os Executivos de cinco capitais publicaram medidas relacionadas ao licenciamento durante a pandemia: Curitiba (6); Porto Alegre (2); Belo Horizonte (1) e Manaus (1). A prefeitura de Curitiba liberou o sistema online para alguns tipos de empreendimentos e divulgou procedimentos específicos para aqueles que ainda não podem ser solucionados por meio virtual. A capital do Paraná havia prorrogado o prazo das licenças, autorizações, notificações, autuações e recursos administrativos de multas ambientais, enquanto perdurasse o estado de calamidade pública, mas revogou a prorrogação na última semana de outubro.

Ainda na região Sul, a prefeitura de Porto Alegre, assim como o governo estadual, prorrogou a vigência de licenças ambientais. Mesma medida foi adotada na região Norte, na capital Manaus, que além de prorrogar as licenças vencidas no período de isolamento social, também adotou medidas de desburocratização do processo de licenciamento.

“Essa medida foi de suma importância para o licenciamento ambiental, além dos empreendimentos ficarem resguardados e poderem exercer suas atividades com segurança jurídica, houve movimentação do capital ao redor dos empreendimentos. Não sabemos até quando vai permanecer o estado de calamidade e, com licença vencida, eles não poderiam executar suas atividades com segurança jurídica”, explicou a advogada Fatianne Batista.

DÉBORA BRITO – Repórter em Brasília. Cobre o Congresso Nacional e faz o monitoramento de projetos em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Foi repórter na Agência Brasil, produtora na Tv Brasil e Tv Globo Brasília. Também integrou a equipe da assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura. Email: debora.brito@jota.info
ANA BEATRIZ GRAÇA – Cientista de dados em Brasília. Tem experiência em computação gráfica, processamento de imagens, reconstrução 3D, análise de dados, web scraping e web crawling. Formada em Matemática com ênfase em Matemática Computacional e mestre em Modelagem Computacional em Ciência e Tecnologia pela UFF. Antes do JOTA, foi professora de Magistério Superior do Departamento de Matemática de Volta Redonda da UFF. Email: ana.beatriz@jota.info

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