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VIDEOCONFERÊNCIA: OS DESAFIOS DO SETOR DE COMBUSTÍVEIS Presidente da Raízen, Ricardo Mussa

Entrevista ao Jornal Valor Econômico, com Camila Souza Ramos e Stella Fontes

VALOR: Quais os impactos da pandemia na distribuição de combustíveis? As medidas de lockdown anunciadas por algumas capitais têm algum efeito significativo no consumo de combustíveis?

RICARDO MUSSA –  Logo no início vimos uma queda mais acentuada, muito mais focada no ciclo Otto – gasolina e etanol, que chegou a 70%; agora recuperou um pouco e está estabilizado em 50%. Como o setor agrícola do Brasil continua operando, no diesel a redução foi bem menor, na faixa de 20%. Percebemos uma pequena melhora no ciclo Otto nas últimas semanas, o que é um sinal negativo, porque demonstra que as pessoas não estão respeitando o lockdown. Mas nada substancial.

VALOR: A Raízen Combustíveis tem notado dificuldades entre os seus revendedores? Como vocês têm atuado para dar suporte neste momento, porque às vezes são pequenas e médias empresas que sem acesso a crédito. Como tem sido?

MUSSA – Temos uma rede de revenda muito forte, que trabalha conosco há muitos anos. Preparamos um pacote para a nossa rede suportar com mais crédito, e atendendo toda a parte logística. Mas o principal foi auxiliar na parte de crédito. Fizemos um grande pacote, que foi anunciado logo no início da crise. A revenda vem se comportando bem, trabalhando com corte de custos e ajustando o seu tamanho para este momento difícil.

VALOR: Vocês preveem alguma aceleração no ritmo de fechamento de postos? Como deve ser 2020 ante os anos anteriores?

MUSSA – O Brasil ainda tem o chamado overpump – mais postos do que a gente imagina que um país normal possua. Sim, achamos que esta crise vá levar a uma consolidação, não sabemos quanto, e não será tão grande quanto se imagina. O setor vem reagindo, adequando a sua parte de custos e vai suportar bem.  Mas acho que esse processo de overpump no país, neste momento de crise, tende a acelerar. Os postos menores, com rentabilidade menor, tendem a fechar. É um processo que já vinha há vários anos no Brasil. Estamos ainda no começo. Ainda não temos nenhum dado efetivo para apresentar.

VALOR: O setor como um todo pediu uma série de medidas de apoio ao Governo, mas o presidente Bolsonaro disse que não concederia aumento da Cide sobre a gasolina. Diante deste cenário, o que a Raízen está fazendo em termos de programação de vendas de etanol? Como está o ritmo de vendas? Vai precisar estendê-las por mais tempo? Ou estocar o etanol nos tanques?

MUSSA – É um cenário muito difícil para o setor, principalmente neste começo de safra, em que há mais oferta do que demanda. Normalmente, os grupos mais capitalizados, como é o caso da Raízen, acabam reduzindo as vendas até a entressafra, quando se tem preços melhores. Este ano não será diferente. Imaginamos que o preço tende a cair no período da safra, como todos os anos, mas neste em especial, pela queda do volume. A Raízen já vinha fazendo uma boa gestão de risco, então conseguimos o que poucas usinas fizeram: travar o nosso etanol com o chamado proxy hedge, com hedge da gasolina.  Somos menos afetados neste momento. Vamos tentar vender o mínimo possível na safra. Infelizmente vimos que a posição firme do governo contrário à Cide torna a vida do setor mais complexa, sobretudo neste período de safra. Muitas usinas não conseguirão, ou por falta de capacidade armazenagem ou financeira, fazer o que estamos pensando em fazer na Raízen, que seria vender menos neste período de safra e olhar o mercado de exportação de etanol, que é importante.

VALOR: Sobre o financiamento para estocagem do etanol, o setor pediu ao Governo uma linha de crédito há mais de um mês, mas até o momento não há nada definido. Como a Raízen está fazendo para garantir esta estratégia de carregar esse etanol para a entressafra? Buscando crédito em brancos privados? Tem taxa? Tem tanques suficientes, vai precisar buscar em terceiros?

MUSSA – Entramos neste ano-safra muito bem posicionados financeiramente, com bastante caixa, já prevendo as dificuldades do momento. Como é uma empresa integrada, não temos dificuldade de capacidade de armazenagem ou de caixa. O mercado em si tem uma dificuldade muito maior. Vamos ver como o mercado vai se comportar neste momento, de muita volatilidade, pois é difícil se tomar qualquer decisão drástica diante deste quadro. Há que se ter flexibilidade, gestão de risco, caixa e capacidade de armazenamento, o que não acontece com a maioria do setor.

VALOR: O setor tem importado mais? Como lidar com as variáveis?

MUSSA – O Brasil é importador de diesel e gasolina. Neste momento está autossuficiente em gasolina pela baixa demanda. Acompanhamos a política de preços da Petrobras e a arbitragem. Há sempre o risco de a Petrobras não acompanhar a variação dos preços internacionais no mesmo momento. Como agora. Ela demorou um pouco mais, na nossa visão, para passar a baixa, que é uma estratégia dela, de segurar um pouco mais, e agora na alta também vimos uma defasagem. Isso cria uma série de riscos envolvidos no processo. A nossa visão é de reduzir as importações no curto prazo. Obviamente, se os preços internacionais se mostrarem mais competitivos, teremos flexibilidade para importar mais. Mas acredito na baixa das importações. Já existia uma programação de importações prévia, então o mercado demorou um pouco a se adequar. Mas agora está se adequando à nova realidade de volume. E vai depender de como virá a recuperação. Na gasolina o mercado está balanceado, sem precisar importar produto.

VALOR: Nesta condição de mercado, impulsiona a informalidade?

MUSSA – A informalidade aumenta quando piora o cenário econômico. Passa a ter players em situação mais complicada acabam usando artifícios não legais. Combatemos isso como ninguém. Quando se reduz os impostos, reduz-se a possibilidade de sonegação. A carga tributária do tamanho que é hoje no Brasil motiva a sonegação. Infelimente, sim, deve-se ter um aumento da informalidade. A não ser que o governo melhore as alavancas da fiscalização, que infelizmente têm se provado não efetivas. Este é um dos grandes problemas do setor, um dos maiores arrecadadores do país. Seria um ponto fundamental para o Governo focar neste momento, em que vai precisar tanto de recursos para combater a crise. Tomara que a necessidade do governo por caixa, dadas as tecnologias envolvidas para atacar a sonegação, me contradigam, e mostrem que vai haver redução neste período de crise, mas é um panorama difícil.

VALOR: Como a Raízen está se posicionando com relação às tecnologias não poluentes, que talvez tenham sido atrasadas por conta da baixa do petróleo, mas que virão por aí?

MUSSA – O mundo está mostrando que os renováveis vão ganhar força neste momento. É uma crise que começou na saúde. As pessoas perceberam o que é viver com menos poluição. Essa pegada de renováveis e de redução de poluentes não vai arrefecer no pós-crise. Ao contrário. As pessoas estão mais preocupadas com a saúde. Diferente da crise de 2008, ganharão força. E aí o etanol tem papel muito importante. Grandes corporações falam a mesma coisa.

VALOR: Neste ano começa oficialmente o Renovabio. Mas, diante da mudança dos volumes de vendas de combustíveis, as metas que as distribuidoras tem a cumprir deverão ser revisadas. Como o senhor está vendo a perspectiva para este programa? Será enfraquecido?

MUSSA – Se o programa já estivesse em funcionamento plenamente, o mercado iria se autoregular. Não deu tempo.  O importante é se estabelecer e  já para os próximos anos  vamos ter o benefício da autogestão: vendeu mais combustível fóssil, aumenta o valor do Renovabio. E vice-versa. Não vai precisar de intervenção nem de ajuda do governo. A prioridade é proteger o programa. Não temos foco no retorno financeiro significativo no primeiro ano, mas sim no longo prazo.

VALOR: Há preocupação de algumas usinas com relação à próxima safra. Qual a visão com relação ao próximo ciclo?

MUSSA – O preço baixo do açúcar vai afetar mais os competidores internacionais e beneficiar a produção nacional, no médio prazo. No longo prazo, o açúcar brasileiro vai ganhar competitividade sobre os outros países. Mas, muitas usinas no Centro Sul vão desaparecer.

VALOR: Existe a possibilidade de a Raízen, como um player mais capitalizado, ou mais forte operacionalmente, em avançar em usinas ou outros ativos industriais?

MUSSA – Ainda há capacidade ociosa grande do nosso parque industrial. Não tenho necessidade de buscar mais área nem consolidar outras usinas. Tenho uma lição de casa que é encher o meu parque; o custo é mais baixo. Tenho a capacidade instalada e terra. Melhorar a produtividade seria muito mais rentável. Obviamente que temos por dever de ofício olhar para as oportunidades, principalmente as que fazem mais sentido operacional, como as mais próximas, como fizemos nos últimos anos. Mas a prioridade do grupo não é essa agora.

VALOR: Qual a sua palavra sobre a eletrificação dos veículos?

MUSSA – Carros elétricos são caros e viáveis a médio e longo prazos. A transição energética é de médio prazo. Quando se fala em cenário de países mais desenvolvidos, como a Noruega, a questão é muito mais simples. Num país grande como o nosso, não há sequer infraestrutura. Além disso, de onde virá a eletricidade? Se for fóssil, então você não haverá redução de emissões. Neste sentido, a cadeia do etanol é muito acertada para esta transição energética.

VALOR: E quanto ao etanol de milho?

MUSSA – Um dos pontos que mais me incomodou é o descasamento entre o preço do milho e o da commodity, porque o risco é diferente, e não gostamos. Não é como a cadeia da cana, atrelada à da gasolina. No caso do milho você não tem o hedge natural. Além disso, não temos competência neste setor, além da distribuição e comercialização. A nossa estratégia foi nos aproximar das usinas de milho e fazer parcerias. Não temos ambições de investir no etanol de milho.

VALOR : Sobre as lojas de conveniência, os planos mudam com a crise?

MUSSA – Na conveniência o nosso plano também é de muito longo prazo. As discussões internas são de curto prazo, tais como adequar o mix da loja, entender o mercado, fazer parcerias com os pontos de entrega, delivery. A Femsa é parceiro de capacidade operacional fantástica, com um conhecimento de não tínhamos, de lidar com milhares de itens e de fazer a gestão da logística a qual não sabíamos. Existe a oportunidade, na crise, em que os custos do mercado imobiliário mais baixos, na qual podemos acelerar algumas etapas. A Femsa é sócio sólido e, portanto, não temos mudança de planos. É a oportunidade de executar o nosso plano em prazo menor. Não vemos que o futuro das lojas de conveniência vá mudar por causa do coronavírus. Pelo contrário: mais pontos de entregas, o consumidor se desloca menos. Mas por enquanto a estratégia é a mesma.

VALOR: A Raízen encontrou dificuldade em acessar recursos nos bancos? Tem notado que os revendedores tem tido essa dificuldade?

MUSSA – Conseguimos criar um plano de ajuda à revenda, e a redução dos preços dos combustíveis fez com que capital de giro também diminuísse. Notamos dificuldades pontuais, mas a revenda vem reagindo muito bem. São muito bons na gestão de custos, e estão adequando a sua estrutura. Do nosso lado, estamos competitivos, acompanhando os preços. A preocupação é saber o retorno deste volume, quanto tempo vai demorar. Se a crise se estender por muitos meses a coisa pode piorar.

VALOR: Qual deverá ser o cenário pós-pandemia?

MUSSA – Há poucos parâmetros no mundo. A estatística que temos até o momento é da China, onde a economia pós-crise voltou muito rápido. Não acredito que no Brasil será assim. Mas há bons indícios que essas mudanças não serão drásticas. Existirá o novo normal, mas com volumes bem razoáveis. Agora, deve começar a reduzir o lockdown na Europa e as pessoas vão se adaptando. Temos a visão realista que não voltará ao patamar anterior, mas não temos visão pessimista. O importante da nossa organização é manter as opcionalidades, trabalhar no custo do curto prazo para fechar a empresa muito bem em competitvidade, ficar de olhos nas  oportunidades. Isso tudo vai passar e vamos retomar o caminho de crescimento. ASSISTA

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