BIANCA LIMA, Estadão
Deputado Danilo Forte busca explicitar possibilidade de punição criminal às empresas que agem de má-fé e têm na inadimplência uma estratégia de negócio; entidades empresariais se reúnem com a Receita Federal nesta terça-feira para tratar do assunto.
BRASÍLIA – O relator do projeto de lei que cria uma lista de “nome sujo” para devedores contumazes, deputado Danilo Forte (União-CE), quer reforçar no parecer a possibilidade de punição criminal das empresas que agem de má-fé e têm na inadimplência uma estratégia de negócio.
“Se você sonega de forma contumaz, você está roubando a sociedade. Isso é crime, uma forma de corrupção e roubo”, afirmou o parlamentar ao Estadão.
Forte diz que o parecer será entregue na primeira semana de agosto, após o recesso parlamentar, e que conversará com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a proposta seja analisada nos nove dias de esforço concentrado que ocorrerão em agosto e setembro. “O relatório está praticamente pronto; falta apenas finalizar algumas questões do ponto de vista penal e fechar o texto com governo e frentes empresariais”, afirma.
O deputado avalia que há um ambiente político e econômico favorável à votação do tema. Ele cita a preocupação com a trajetória das contas públicas e o desejo do governo de elevar a arrecadação; a reforma tributária, que deu visibilidade à elevada carga tributária existente no País, a qual fica maior devido à necessidade de se cobrir os “buracos” deixados pela sonegação; e o interesse de prefeitos e governadores, uma vez que parte dos tributos federais sonegados seriam divididos com Estados e municípios.
O texto enviado pelo governo já previa que, uma vez inseridos no Cadastro Federal do Devedor Contumaz (CFDC), os controladores das companhias, caso cometessem crimes tributários e fossem condenados, não teriam mais o direito de extinguir a punição ao realizar o pagamento do imposto devido – o que aumentaria as chances de prisão. O objetivo agora, diz o relator, é deixar essa previsão mais clara.
“Precisamos penalizar criminalmente, com a possibilidade de uma punição mais explícita, não só impedindo a reabertura de empresas em nome dos devedores contumazes”, afirma. “Há toda uma engenharia, inclusive de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, que muitas vezes é usada por essas companhias. Então, já passou da hora de termos uma posição mais clara em relação a isso”.
Forte também prepara ajustes nos pré-requisitos necessários para que a empresa seja incluída na lista de “nome sujo” – o objetivo é atender a pleitos do setor empresarial. Dentre as mudanças em estudo está a obrigação de se analisar o histórico tributário da companhia e dos seus controladores, para verificar se a falta de pagamento é recorrente ou pontual. Além disso, o valor da dívida para inclusão no cadastro – atualmente estabelecido em montante superior a R$ 15 milhões – deverá ser atualizado anualmente pela inflação.
“O projeto tem o desafio de ser preciso na definição do devedor contumaz e, ao mesmo tempo, dar mecanismos ao Estado para ser mais incisivo contra essas empresas”, afirma Pablo Cesário, presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). “Não pode ser uma definição que seja restritiva demais, que não pegue quem precisa pegar, mas também não pode ser abragente demais a ponto de fazer com que empresas que não sejam devedoras contumazes sejam incluídas”, pontua.
Nesse sentido, Cesário defende, por exemplo, que dívidas que estejam em discussão no Judiciário ou na esfera administrativa, mas que contem com as garantias necessárias, não sejam contabilizadas como débito irregular. Além disso, cita a necessidade de criação de uma porta de saída desse cadastro. Ou seja, que a companhia tenha a oportunidade de apresentar explicações perante o Fisco para eventualmente ser retirada da “lista suja” caso seja comprovada a inclusão indevida.
Nesta terça-feira, 16, a Abrasca e outras entidades empresariais vão se reunir com integrantes da Receita Federal, em Brasília, para tratar do assunto. Atualmente, o texto do Ministério da Fazenda, pendente dos ajustes do Congresso, prevê quatro condições para a inclusão no cadastro. São elas:
1. Ter dívida irregular superior a R$ 15 milhões: Ou seja, o foco, segundo o Fisco, é no devedor qualificado, e não no micro, pequeno e médio empresário.
2. A dívida irregular precisa superar o patrimônio: Se tiver um patrimônio de R$ 100 milhões, por exemplo, não se encaixa.
3. A dívida precisa existir por mais de um ano: Esse prazo, de acordo com a Receita, é para garantir que não foi um acidente.
4. Ser parte relacionada em uma empresa que já foi punida: com baixa nos registros ou com declaração de inaptidão do CNPJ. Ou seja, segundo a Fazenda, é o empresário que fica abrindo e fechando empresa.
O Fisco estima que mil empresas – o que representa 0,005% dos 20 milhões de contribuintes Pessoa Jurídica do País – se encaixem nesses critérios. Juntas, elas somam R$ 100 bilhões em débitos. O projeto de lei do governo, agora sob relatoria de Forte, também trata da outra ponta: o bom pagador. Para esse contribuinte, foram criadas diretrizes para acesso a programas de conformidade, que premiarão o atendimento às regras tributárias.
SONEGAÇÃO E FRAUDE NO SETOR DE COMBUSTÍVEIS CUSTAM R$ 29 BI POR ANO
A sonegação de impostos é verificada em diversos setores da economia, como bebidas, fumo e bens de consumo, mas tem presença marcante no segmento de combustíveis. Dados do Instituto Combustível Legal (ICL), elaborados em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontam que União, Estados e municípios deixam de arrecadar cerca de R$ 14 bilhões por ano devido à sonegação nessa atividade específica. Além disso, calcula-se que o setor amargue outros R$ 15 bilhões em prejuízos por conta de fraudes e adulterações, totalizando R$ 29 bilhões.
“O grande problema é que esse pessoal está aí, circulando, entrando com liminares na Justiça. Eles continuam vendendo e sonegando. Aí entram na Justiça e conseguem postergar (o pagamento dos tributos devidos). E isso se arrasta por anos. É concorrência desleal o tempo inteiro”, afirma Emerson Kapaz, presidente do ICL.
O segmento, juntamente com outras entidades empresariais, vinha defendendo que o combate ao devedor contumaz fosse tratado por meio de lei complementar, e não ordinária. Nesse sentido, citavam o PLP 164/22, de autoria do ex-senador e ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e sob relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
A avaliação era de que uma lei complementar possibilitaria abordagem mais ampla, já que seria possível abarcar também os tributos estaduais e municipais. No caso da lei ordinária, o enfoque é restrito aos impostos federais.
Diante da paralisia do assunto no Senado, porém, o empresariado redirecionou as atenções ao projeto do governo, que está na Câmara. “O que precisamos agora é de união de esforços, porque a gente anda batendo na trave, com alguma frequência, nesse assunto. Então, às vezes, você não precisa daquele gol de placa, um golzinho simples já resolve”, afirma a diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Ana Mandelli.
“Ou seja, pode ser que (o projeto) não tenha a abrangência que a gente gostaria, mas provavelmente estaremos atingindo um número importante de empresas que vêm praticando a dívida como ‘business’ há muito tempo”, completa a executiva.
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