Ancelmo Gois
“A indústria do petróleo passou por duas crises recentemente. Em setembro, um ataque com drones paralisou metade da produção da Arábia Saudita. Em janeiro, um general iraniano foi morto no Iraque. Nos dois casos, o preço do petróleo subiu, mas logo caiu. Esses eventos reforçaram a percepção de que, por fatores estruturais, o preço tem tendência de baixa. Agora, surgiu o coronavírus. O que esperar?
O crescimento da demanda, especialmente na China, a partir dos anos 1990, levou à produção de petróleo de custo mais elevado. A maior oferta nos EUA e em outros países conteve o aumento nos preços. O preço passou a flutuar entre o custo do petróleo americano, acima do qual provoca um crescimento da oferta, e o custo marginal do óleo convencional, necessário para a manutenção da oferta. Ao mesmo tempo, inovações estão reduzindo esses valores.
Esse quadro foi abalado pela guerra de preços deflagrada entre a Arábia Saudita e a Rússia. A demanda e a oferta mundial de petróleo estavam ajustadas na casa dos 100 milhões de barris por dia. Um desequilíbrio da ordem de um ou dois milhões de barris afetava o preço. O súbito aumento da oferta em cerca de 4 milhões de barris por dia gerou uma pressão baixista. Quase simultaneamente, a crise do Covid-19 trouxe um novo ingrediente: uma brutal queda no consumo, que pode chegar a 30 milhões de barris por dia nos próximos meses. Foi logrado um grande acordo para cortar em quase 10 milhões de barris a produção. Não será suficiente.
A pressão da demanda será mais forte. A baixa procura, a falta de locais para armazenamento e o fechamento dos contratos para entrega em maio chegaram a levar o preço do petróleo nos Estados Unidos ao terreno negativo. Os impactos no Brent, referência internacional, não tardaram. A crise aguda vai passar. Vão permanecer as dúvidas.
Como isso vai afetar o mercado? E o Brasil? O consumo não volta tão cedo aos níveis anteriores. A produção nos locais de custo mais alto vai cair, mas a oferta deverá continuar superando a procura. Os preços seguirão pressionados, demandando cortes adicionais de produção. Os estoques elevados vão impactar os preços por um bom tempo.
Os derivados vão permanecer baratos. A indústria vai se reestruturar, cortar custos e investimentos. Projetos serão adiados. Os governos, que tributam a extração e o consumo de petróleo e derivados e disputam investimentos, também terão de se ajustar”.
(Décio Oddone, engenheiro, foi diretor-geral da ANP)
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