RAMONA ORDOÑEZ, O Globo
RIO – Após bater recorde em 2018, os registros de furto de combustíveis no país caíram pela primeira vez em cinco anos no ano passado. Foram 203 ocorrências, queda de 22% em relação a 261 do ano anterior, segundo dados da Transpetro, subsidiária de transporte de petróleo e derivados da Petrobras, obtidos pelo GLOBO.
No entanto, um novo aumento dos casos no fim de 2019, concentrado em São Paulo, acendeu uma luz amarela na estatal, que decidiu intensificar uma força-tarefa para combater esse tipo de crime, praticado por quadrilhas especializadas.
Em cinco meses, o número de ocorrências no estado triplicou, pulando de sete em julho para 21 em dezembro. Em janeiro deste ano, já foram registrados cinco casos, todos em São Paulo.
O principal alvo dos criminosos são dutos subterrâneos de transporte da Transpetro, que opera uma rede de tubulações de 14 mil quilômetros para distribuir petróleo, derivados como gasolina e diesel e produtos petroquímicos.
Só em 2019, foram roubados 7,4 milhões de litros em todo o país, um prejuízo de R$ 120 milhões. No entanto, a ameaça vai além das perdas financeiras da Petrobras. A perfuração de dutos pode provocar danos ao meio ambiente e risco à vida de moradores de áreas cortadas pela rede.
Plano de R$ 150 milhões
A Transpetro decidiu ampliar o programa Pró-Duto, criado em 2019 para combater esse crime, investindo, só este ano, R$ 150 milhões em ações de prevenção, monitoramento, contingências e reparos. O programa já mobiliza 250 profissionais com a meta de reduzir os furtos a menos de 230 no país este ano e ficar abaixo de 80 em 2021, o que seria uma queda de cerca de 70% sobre o recorde de 2018.
Os 141 casos em São Paulo em todo o ano passado representam 70% do total no país. Já no Estado do Rio, que chegou a registrar 95 furtos em 2017, foram 40 em 2019, uma redução de 42% em relação ao ano anterior.
Um executivo da Transpetro que não quis se identificar suspeita de uma migração de quadrilhas do Rio para São Paulo. Uma evidência disso foi a prisão, no início deste mês, do líder de uma quadrilha especializada em São Paulo. Ele já tinha sido preso em flagrante em setembro de 2019 em Paty do Alferes, no interior do Estado do Rio. Solto, foi detido praticando o mesmo crime.
Procurados pelo GLOBO, o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Federal informaram que não têm investigação específica sobre o furto de combustível no estado. A Polícia Civil não respondeu.
— Buscamos, cada vez mais, em conjunto com as forças de segurança dos estados e do governo federal, integrar e ampliar nossos esforços na mitigação dessas ações criminosas. Nossa maior preocupação é a proteção da vida e do meio ambiente — diz Marcos Galvão, executivo da Transpetro que coordena o Pró-Duto. — A malha dutoviária, especialmente a que transporta combustíveis, é uma infraestrutura crítica do país, como a de aeroportos, e precisa que os órgãos de inteligência federais e estaduais estejam atentos.
Para a Petrobras, um fator que dificulta o combate às quadrilhas especializadas é a falta de uma lei que tipifique o crime de furto de combustível por dutos, com penas mais duras. Atualmente, a maioria dos casos é enquadrada como crime qualificado ou formação de quadrilha.
Tramita no Congresso um projeto de lei de autoria da senadora Simone Tebet (PMDB-MS) que altera a legislação para tipificar crimes que envolvam o furto de combustíveis de estabelecimentos de produção e instalações de transporte e armazenamento, além da receptação para punir quem compra produtos roubados.
O projeto está na Câmara dos Deputados, onde já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e estabelece uma gradação na pena. Aumenta conforme a gravidade do crime, variando de um a cinco anos de reclusão e multa, podendo chegar a 14 anos se o delito provocar morte. Depois de passar pelo plenário da Câmara, volta ao Senado para aprovação final, o que pode acontecer ainda no primeiro semestre deste ano.
Moradores como aliados
Para Simone Tebet, os sinais de que criminosos estão migrando do Rio para São Paulo mostram a urgência da aprovação da lei. Ela diz que é preciso evitar a “profissionalização” das quadrilhas, como aconteceu em outros países que pesquisou.
Citou o México, onde a estatal de petróleo tem prejuízos anuais estimados em US$ 3 bilhões com o roubo de combustíveis, e estimativas de que o comércio de combustível roubado já movimente algo como US$ 10,8 bilhões por ano no mundo, perdendo apenas para o narcotráfico, a falsificação e o tráfico humano entre os crimes mais rentáveis.
— Nossos números crescentes acenderam uma luz de alerta e reforçaram a necessidade de aprovação do projeto — diz a senadora, que cita a Colômbia como país que reduziu ocorrências desse tipo de crime com uma legislação mais severa adotada em 2006.
Tentativas de perfurar a rede já provocaram muitos acidentes. Em maio do ano passado, por exemplo, uma criança de 9 anos morreu após ter 80% do corpo queimados ao ter contato com a gasolina que vazou de um duto da Transpetro no Parque Amapá, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, após uma tentativa de roubo do combustível. Várias moradores passaram mal com o forte odor e tiveram que sair de casa temporariamente.
Galvão, da Transpetro, diz que a empresa pretende incrementar o combate ao crime este ano principalmente nas regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo, que têm concentrado 90% dos casos. Além de vistorias e ações de inteligência para contribuir com as autoridades nos estados, o Pró-Duto também estuda iniciativas preventivas.
Uma delas é programa junto às comunidades no caminho dos dutos para ocupar as faixas na superfície com hortas comunitárias e outras atividades que possam envolver os moradores na segurança dessa infraestrutura e, ao mesmo tempo, gerar oportunidades de renda ou lazer.
Após o recorde de 2018, furtos de combustíveis caíram pela primeira vez em cinco anos, mas aumentou a concentração em São Paulo
No fim de 2019, o número de casos em São Paulo disparou – Registros de roubo de combustíveis em São Paulo em 2019
Um dos produtos mais visados nos dutos da Transpetro é o petróleo bruto, que bandidos vendem para refinarias clandestinas. Também roubam gasolina e diesel para vender abaixo do preço dos postos.
As quadrilhas são divididas em subgrupos, cada um com uma função nas várias etapas da operação. Um grupo é especializado em escavar para alcançar o duto. Outro, em furar tubulações, manobra que nem sempre dá certo.
Os bandidos costumam agir durante a noite, geralmente em duplas. Após a escavação, levam equipamentos capazes de furar o duto e instalar uma válvula com uma braçadeira ou com solda. A técnica é chamada de “trepanar” e consiste na instalação de uma derivação clandestina na tubulação para desviar parte do fluido transportado pela rede.
Dias depois, também de madrugada, chega outra “equipe” em um caminhão-tanque. O carregamento é feito com uma mangueira ligada à válvula. Os combustíveis são levados em vasilhames sem qualquer segurança em vans e até em caminhões de transporte de refrigerantes.
Em seguida, entram em ação outros componentes da quadrilha, como o braço “comercializador” do grupo. Ele se encarrega de encontrar compradores para os combustíveis furtados, sem garantia de qualidade ou segurança. Quem compra comete o crime de receptação.
No Rio, a maior parte dos furtos acontece em áreas rurais, perto de comunidades que foram crescendo próximas às linhas de dutos. Em São Paulo, as ocorrências são mais comuns em áreas urbanas. Já foram encontrados até túneis abertos dentro de casas alugadas pelas quadrilhas que ficam em cima da rede da Petrobras.
https://oglobo.globo.com/economia/furto-de-combustivel-volta-subir-em-sp-petrobras-intensifica-combate-24200410
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