Raphael Moura, diretor-geral interino da ANP
O plano de desinvestimento da Petrobras representa a maior transformação da indústria do petróleo no Brasil nos últimos 25 anos.
Embora bem-sucedida, a abertura iniciada com a flexibilização do monopólio estatal em 1997 foi incompleta, pelo papel hegemônico que a Petrobras continuou exercendo, não apenas na produção de petróleo e gás natural, mas em toda a cadeia do setor. Mais que uma empresa de petróleo, atuou como um verdadeiro braço do Estado brasileiro, assumindo funções, por exemplo, de garantia do abastecimento nacional.
A elevada concentração de atividades em único agente lhe impôs a pesada tarefa de atuar simultaneamente em muitas frentes. Por mais que a Petrobras tenha avançado, dificilmente uma única empresa poderia dispor de recursos suficientes para atender a todas as demandas de um país de dimensões continentais.
A dependência do desempenho de um único agente (ainda) traz riscos adicionais, como observado em anos recentes, quando dificuldades enfrentadas pela companhia contribuíram para a redução da atividade econômica e elevaram preços ao consumidor. É apropriado lembrar da expressão “não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta”, que pode ser traduzida como: diversificar para reduzir os riscos.
No Brasil, do total de 6 milhões de quilômetros quadrados em bacias sedimentares — ou seja, potencialmente produtoras de petróleo e gás —, apenas 240 mil quilômetros quadrados estão contratados. Dos volumes descobertos de hidrocarbonetos, somente 10% foram produzidos. Enquanto os EUA, em plena crise do petróleo, esperam perfurar quase 11 mil poços em 2020, o Brasil não chegou a 30 mil ao longo de toda a sua história. Há muito ainda a se fazer.
A importância do desinvestimento suplanta o natural desejo da Petrobras de reduzir a sua dívida e focar na sua atividade mais rentável, que é a exploração do pré-sal, onde a empresa pretende concentrar 71% dos cerca de US$ 45 bilhões que prevê investir entre 2021 e 2025. O desinvestimento diz respeito ao Brasil e à formação de mercados diversificados e competitivos que podem alavancar o crescimento econômico e aumentar o bem-estar da sociedade.
Essa transformação já começou. Em apenas 14 ativos na bacia de Campos recentemente vendidos pela Petrobras, novos operadores especializados em operar campos maduros já assumiram junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis- ANP o compromisso de investir pelo menos R$ 10 bilhões para aumentar a produção. Para eles, há sentido econômico, pois seus custos são otimizados para esse tipo de negócio. Navegar um pequeno e charmoso veleiro é bem diferente de operar um poderoso transatlântico, mas o mar é grande o suficiente para acomodar ambos.
A se cumprir todo o plano de desinvestimento anunciado, serão dezenas de bilhões de reais investidos em revitalização nos próximos anos, pelas empresas que assumirem a operação dos demais campos à venda. Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe e Espírito Santo estão entre os mais beneficiados pelos novos projetos, mas os reflexos serão positivos em todo o Brasil.
No setor de gás natural, o país também está em transição rumo a um mercado líquido, transparente e de livre acesso. Apenas as medidas adotadas desde 2019 para desconcentração do segmento já despertaram o interesse de novos agentes para carregamento do gás natural. Foram 42 novas autorizações concedidas pela ANP nesse período, frente a uma média anual de apenas três autorizações entre 2014 e 2018. Para os agentes comercializadores, a tendência se mantém: 36 novos agentes foram autorizados nos últimos dois anos, frente a uma média anual de quatro entre 2016 e 2018.
Em conjunto com outras mudanças legais e regulatórias nos âmbitos federal e estadual — em especial a aprovação da nova Lei do Gás —, será possível destravar investimentos em novas unidades de processamento, gasodutos e outras infraestruturas e, ao mesmo tempo, aproximar as tarifas nacionais das praticadas no mercado internacional, viabilizando o uso desse insumo na indústria e a geração de energia mais barata.
Já no refino, a ampliação do número de agentes deverá significar a introdução de novas tecnologias, a redução dos custos de operação e maior produtividade, resultando em preços competitivos para o consumidor. Além disso, a diversidade deverá contribuir para garantir a segurança do abastecimento a longo prazo, com a superação de gargalos logísticos.
O termo “desinvestimento” pode passar uma falsa impressão, por se referir ao ponto de vista da empresa vendedora dos ativos. Para o Brasil, significa exatamente o oposto: diversidade, competitividade e, principalmente, muito mais investimentos.
Raphael Moura é diretor-geral interino da ANP
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