JULIA BRAND BRAGANTIN, Jota
Desdobramentos do instituto de participação social à luz da pandemia
No dia 23 de março de 2020, a ANP suspendeu a realização de audiências públicas em decorrência da pandemia, por meio da Resolução ANP N°812. Em seguida, a Procuradoria-Geral Federal (PGF) junto à ANP, no dia 17 de abril, emitiu parecer[1] em sede de consultoria administrativa (Parecer n° 00112/2020/PFANP/PGF/AGU) ratificando o entendimento da Agência. Nos primeiros reflexos destas medidas, percebeu-se que a elaboração dos atos normativos que se seguiram à Resolução ANP n° 812 não demandaram a submissão prévia aos agentes regulados por meio de audiência pública, visto o perigo de aglomeração de pessoas e a possibilidade de contágio.
Em um momento em que qualquer uso do interesse público para fins contrários à saúde pública restaria prejudicado, a decisão de dispensa da realização de futuras audiências públicas é extraída da Lei de Processo Administrativo Federal, em seu art. 45. A Lei n° 9.784/99 permite à Administração Pública, em situações de risco iminente ao interesse público – como no caso da motivação da suspensão das audiências públicas, pela possibilidade de contágio ocasionada pela pandemia de COVID-19 – tomar providências sem previamente consultar os principais interessados.
Ainda que a medida representasse o caráter emergencial, os argumentos trazidos pela Associação Brasileira de Petróleo e Gás Natural (ABPIP) e pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) foram levados em consideração no processo decisório como meio de resguardar a regra da manifestação dos agentes regulados.
Apesar de não representarem a totalidade dos concessionários, a PGF ressaltou a possibilidade quanto à realização do controle social por parte dos demais administrados em momento posterior. Nesse sentido, a realização de audiência pública por videoconferência foi permitida pela RANP n° 822, publicada em 24 de junho pela Agência, ensejando, em 29 de junho, a revogação dos atos que a suspenderam.
Se por um lado a medida de dispensa da realização de audiências públicas, em decorrência da pandemia de COVID-19, pode ter questionado a legitimidade democrática e a consequente efetividade dos atos administrativos posteriores à medida, já que a constitucionalidade do instituto suprimido, ainda que em caráter excepcional, dialoga com o a expressão da democracia na Administração Pública, principalmente em momentos em que se é pujante o clamor da sociedade civil nas decisões de interesse público, como este que vivenciamos[2].
Por outro lado, torna-se importante entender como as agências recebem e processam as manifestações dos seus principais interessados e, no âmbito da ANP, quem seriam eles – que contribuem de alguma forma nas audiências públicas.
Por isso, torna-se necessário identificar quais são os atores que se engajam em integrar esses processos decisórios, uma vez que esse procedimento prévio sustenta a validade da posterior regulação por parte da Administração Pública. Por exemplo, em 2/9/2020, a ANP realizou a primeira audiência pública online contando com cerca de 50 participantes para debater a minuta de resolução que recria a Comissão de Conflitos das Agências Reguladoras dos setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, de que trata a Resolução Conjunta nº 2, de 27 de março de 2001[3].
Os atores principais em setores de alta tecnicidade acerca do objeto de regulação são, ao mesmo tempo, os agentes regulados, os técnicos e experts da Agência e o controle que decide de forma mais consciente e informada, para que suas decisões sejam preservadas em favor da melhor condução dos interesses democráticos-constitucionais. Entretanto, o argumento não pode pretender afastar a Administração Pública da ordem jurídica e, portanto, do próprio controle social previsto em um Estado Democrático de Direito. É nesse contexto que a participação da sociedade civil – como consumidora do objeto regulado pela Agência – é repensada para além de institutos como a audiência pública.
Nesse contexto, o desenvolvimento do Guia de Boas Práticas Regulatórias visa aumentar a participação social por meio de um “cardápio de participação popular.” A consequência, portanto, é a melhoria da qualidade regulatória por meio da materialização de princípios constitucionais, como os da transparência e da eficiência. Nesse sentido, a ANP, através do Centro de Relações do Consumidor (CRC), constrói um canal de comunicação com o público externo que recebe denúncias, solicitações, sugestões, reclamações e elogios referentes a seus serviços e agentes[4].
É dissonante pensar que há aproximação da sociedade civil com a matéria tratada na audiência pública, uma vez que a mesma desconhece a profundidade do objeto a ser tratado. Apesar da teoria constitucional prezar pela coerência entre seus institutos de participação popular e a realidade prática da Administração Pública, os atores engajados na integração dos processos decisórios na ANP são os agentes regulados. Ainda que caiba argumentar que não se pode limitar a interpretação a um só legitimado, deve-se, também, levar em conta as habilidades e as limitações das instituições envolvidas e de seus atores quando da interpretação de normas técnicas.
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[1] Parecer Procuradoria Geral Federal junto à ANP. Processo SEI/ANP: 48610.205603/2020-04./
Resolução da ANP. Disponível para acesso em: http://legislacao.anp.gov.br
[2] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Audiências Públicas Virtuais: possibilidades e limites durante a pandemia do Covid-19. Disponível para acesso em:
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/alexandre–aragao/audiencias–publicas–virtuaispossibilidades–e–limites–durante–a–pandemia–da–covid–19
[3] Notícias ANP. Em primeira audiência por videoconferência, ANP debate recriação de Comissão de Conflitos das Agências Reguladoras. Disponível para a cesso em: http://www.anp.gov.br/noticias/5924–em–primeira–audiencia–por–videoconferencia–anp–debaterecriacao–de–comissao–de–conflitos–das–agencias–reguladoras
[4] Qualidade regulatória. Disponível para acesso em: http://www.anp.gov.br/qualidade–regulatoria / Participação social. Disponível para acesso em: http://www.anp.gov.br/transparencia–social
JULIA BRAND BRAGANTIN – Graduanda em Direito pela UFRJ e Pesquisadora Bolsista de Iniciação Científica do Laboratório de Estudos Institucionais – LETACI/PPGD/UFRJ
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