TRIBUTÁRIO: Escolta é despesa essencial na fase de venda de produtos
THALES STUCKY e JOÃO PEDRO QUINTANILHA REZENDE
No começo deste ano destinamos algumas linhas desta coluna para análise do acórdão n.º 3301-006.875, no qual se entendeu que o roubo de carga seria hipótese de caso fortuito interno, não podendo ser considerado como excludente da responsabilidade tributária a ponto de ter o Estado que assumir com tal ônus[1].
Na ocasião, defendemos que a visão majoritária da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamentos do CARF mereceria reparos, destacando o raciocínio desenvolvido pela Conselheira-relatora originária no sentido de que “o roubo é motivo de força, porque atende aos requisitos de imputabilidade, inevitabilidade e irresistibilidade“, pois o “roubo ocorreu por ausência absoluta de vontade do transportador“, não havendo que “falar-se em evitabilidade com o argumento singelo de obrigatoriedade de seguros da carga ou acompanhamento de segurança privada“, tendo a irresistibilidade sido “comprovada nos termos do relatório policial“.
O entendimento em questão, no entanto, não prevaleceu, dando lugar ao racional de que “É sabido que a violência nas rodovias brasileiras é situação de conhecimento geral, não havendo razão para uma transportadora de mercadorias importadas suscitar que o roubo de carga seja um fato imprevisível e cujos efeito seria possível de se evitar“.
A conclusão escancara uma triste realidade e apenas confirma o denominado “custo Brasil”, termo utilizado para justificar o ônus arcado por todo cidadão em razão do precário sistema de transporte de cargas em território nacional.
Neste cenário de conformação com o estado de insegurança em vias públicas, voltamos a este espaço para abordar os efeitos tributários decorrentes associados à segurança do transporte de carga, agora sob a ótica do direito à apropriação de créditos de PIS e COFINS e tratado no acórdão n.º 9303-009.456, prolatado pela 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF.
No caso aqui em destaque, a 3ª Seção do CSRF permitiu a manutenção de créditos de PIS e COFINS relativos às despesas incorridas com a contratação de serviço de escolta para o transporte de cargas, tendo em vista o reconhecimento de que tais despesas “se enquadram como despesas nas operações de venda“, na medida em que empregadas “para a segurança dos produtos transportados“, aplicando-se a tais despesas os conceitos de essencialidade e pertinência, além do enquadramento no item IX do artigo 3º da Lei º 10.833/03.
Na origem, os créditos haviam sido glosados em razão de ausência de previsão legal e porque as despesas não se enquadrariam no conceito de insumos previsto nas Leis n.os 10.637/02 e 10.833/04, ou seja, não seriam, na visão da RFB, essenciais à atividade do contribuinte.
Vê-se como é, no mínimo, difícil a vida do Contribuinte brasileiro: por um lado, a fiscalização federal entende que o roubo de carga não seria caso fortuito a justificar a exclusão de responsabilidade tributária porque, dado a previsibilidade da situação, era sua obrigação contratar segurança privada para acompanhamento do transporte (Acórdão 3301-006.875) e, por outro, conclui que as despesas com serviço de escolta não são essenciais à atividade do contribuinte.
Felizmente tal situação, ao menos no que tange ao crédito de PIS e COFINS sobre despesas de escolta, parece ter sido parcialmente remediada em seguida pela Câmara Superior do CARF, ao entender que as despesas incorridas com serviço de escolta empregado na segurança da mercadoria transportada são despesas geradoras de crédito de PIS e COFINS por integrarem a fase de venda das mercadorias.
E tal entendimento, apesar de trazer um indesejado conformismo com a situação do transporte de cargas em território nacional, nos parece ser o mais acertado no momento.
De forma a ilustrar a essencialidade das despesas com serviço de escolta e segurança privada de transporte de mercadorias, trazemos o estudo publicado pela FIRJAN em fevereiro deste ano, no qual se revela que, apenas no Estado do Rio de Janeiro, foram registradas 7.455 ocorrências de roubo de carga em 2019, o que resultou em prejuízo de cerca de R$ 386 milhões[2].
Se somados os últimos cinco anos considerados no levantamento realizado pela FIRJAN, foram notificados 44.335 casos de roubo de cargas apenas no Estado do Rio de Janeiro, ou seja, uma alarmante média de quase 25 crimes por dia em território fluminense, o que torna a atividade de transporte de mercadorias uma verdadeira roleta-russa.
Assim, não se exige um esforço interpretativo muito elaborado para se chegar à conclusão de que o serviço de escolta é essencial à atividade do contribuinte brasileiro, enquadrando-se no conceito de insumo definido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.221.170/PR, oportunidade em que consolidou a seguinte Tese: “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte“.
Neste sentido, vale ainda o destaque para o racional desenvolvido no acórdão n.º 3401-002.857, oportunidade que o CARF manteve o creditamento realizado pelo contribuinte sob a justificativa de que “Despesas com segurança, seguros, escolta e satélite devem ser compreendidas em face da atual realidade do transporte rodoviário de cargas que, como sabido, envolve graves riscos à segurança de motoristas decorrentes de atividades criminosas que visam os veículos transportadores. Destarte, tais despesas se tornam indispensáveis à prestação do serviço de transporte e são decorrentes de serviços utilizados diretamente neste“.
Por fim, registramos que haverá situações em que a contratação de escolta será obrigatória por lei, especialmente para o transporte dos produtos classificados como “extremamente perigosos”, tal como disciplinado pelo artigo 18 do Decreto n.º 88.821/83, o que reforça ainda mais o direito à apropriação de créditos de PIS e COFINS sobre tais despesas.
A regulamentação dos produtos considerados perigosos é realizada pela Agência Nacional de Transporte Terrestre – ANTT e maiores detalhes sobre o assunto podem ser encontrados no sítio eletrônico do Órgão[3].
Para estes casos, além do inafastável enquadramento do serviço como insumo, tal como defendido ao longo do presente estudo, o aproveitamento do crédito deverá ser permitido com base no artigo 172, § 1º, I, da IN RFB n.º 1.911/19, por se tratar de despesa decorrente de “imposição legal”.
Entendemos, em linha com o que decidiu a CSRF, que a fiscalização deve cessar as autuações decorrentes da glosa de créditos originados da contratação de serviços de escolta e segurança privada para o transporte de cargas, até o esperado dia que tais despesas não serão mais necessárias para a regular condução das atividades empresariais pelos contribuintes brasileiros.
Até lá, é melhor prevenir do que remediar.
[3] http://www.antt.gov.br/cargas/arquivos_old/Produtos_Perigosos.html
THALES STUCKY – Advogado, LL.M. em Tributação Internacional pela New York University e Ex-presidente do Instituto de Estudos Tributários – IET. Sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados
JOÃO PEDRO QUINTANILHA REZENDE – Advogado, Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET e em Planejamento Tributário Estratégico pela PUC/RJ
Escolta é despesa essencial na fase de venda de produtos
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